quarta-feira, 7 de julho de 2010

Viciados Ortodoxos

Foi-se o tempo dos viciados ortodoxos. Aqueles clássicos farrapos humanos pendurados em beiras de bar que acordavam no outro dia com a bunda doendo e achavam que tinham caído da cadeira, daqueles que davam narigadas em trilhas de scarface ou dos vagabundos de cabelo esquisito e tôca de crochê atracados com um rolo de Maria Joana achando que falar merda é ser publicitário.

Há um certo saudosismo funesto em perceber que o perigo do vício em psicotrópicos ou entorpecentes líquidos e alcoólicos liberados pelo governo, ou em montes de pó de pirlimpimpim que a sininho não vende, eram bons problemas. Eram visíveis. Difíceis de abater mas fáceis de combater, como um monte de cocô na rua. Não dá para impedir os cachorros de cagarem nem fazer as dondocas catarem, mas com um pouco de esmero, conseguimos sapatear ao seu redor. Os víciados de hoje em dia são pós modernos, bonitinhos, legais e invisíveis aos olhos destreinados do homem de bem. São o amigo que parece muito macho, mas fica manjando seu bumbum secretamente. Como combater um inimigo que não vemos? Schwarzenegger teve dificuldades com o predador. Como combater um adversário equipado de uma camuflagem termo ótica?

Como aqui no Tortura não coloco a sujeira debaixo do tapete mas também não gosto de fazer faxina, po-la-ei sobre a mesa, onde espero pacientemente por outra pessoa que a veja e limpe. A questão aqui não é o desaparecimento dos antigos transviados, até porque eles não sumirão, dado o fato de que para cada 10.000 pessoas que nascem, uma é empresária de sucesso e 9.000 puxam um backzinho no fim de semana. É o surgimento de uma nova categoria, imperceptivel, disfarçada, matreira e faceira que, sem percebermos, cortará o dedo mindinho da sociedade brasileira.

Estou falando da nova revolução em vício, do mal do século. Estou falando da Fazendinha. O jogo virtual do Orkut.

De meninas loiras, lindas e menores de idade até pais de família com renda de mais de 2 salários mínimos. Todos estão sendo corrompidos pelo vício da jardinagem virtual. Parecem normais por fora, mas cresce a semente do auto-flagelo em seu cerebelo. Indivíduos que nunca gozaram do prazer de atolar um pepino na terra e esperar crescer lá de dentro, viram noites a fio cultivando leguminosas e frutas num sítio virtual.

Alérgicos a pelo de cachorro tem que comprar a moedinha verde para poder comprar um pastor alemão em miniatura porque alguém pode querer roubar seu milho digital de manhã. A moedinha verde só é comprada em bancos com dinheiro de verdade. Dinheiro de verdade que o pai tira de seu salário, deixando as filhas sem leite e carne vermelha durante o mês inteiro, só para poder adquirir mais um lote de terreninho de pixels. Enquanto as meninas se contorcem no chão mal varrido de sua casa, tortas de sede e fome, ele, o progenitor, dá murros na tela de 14 polegadas ao perceber que lhe furtaram virtualmente um favo de mel.

Jogadores da Fazendinha passam horas a fio, concentrados na produção e extração de produtos, administração de estoque e controle contra furtos. Um exesso de atenção desprezível. São tão dedicados que não sobra tempo para o estudo, academia e outras atividades essenciais. Acabarão burros e gordos. Não que ser burro seja problema por aqui já que não é exigido diploma para concorrer ao cargo mais importante da nossa sociedade, mas gordura é um problema na sulamérica cosmopolita e consumidora de estética.

A meta do joguinho é florescer uma fazenda, faze-la crescer e prosperar, seja por cultivar honestamente frutos e etc, seja por rouba-los da fazenda de seus amigos, numa clara indução ao furto e corrupção. Na marinha americana, jogos virtuais simulam situações de guerra visando preparar os alistados para momentos de combate real, a fazendinha prepara nossos jovens para a carreira política.

O junkie ancestral era difuso, o moderno sofre de super foco. Cadê aquele povo que costumava ficar em cima do muro? Cadê os mulatos? Aonde estão os moderados? Mais vendido que o café insosso e o muito amargo é o expresso.

Faço um apelo ao viciado vintage. Aquele que é remanescente da linhagem clássica do malandro romântico da esquina. Do chapéu panamá tombado e especialista em varejar guimbas de cigarro com o dedo médio. Maconheiros, cheiradores, alcoólatras, que se fundam vocês todos contra o exército da fazendinha. Retomem seu lugar de direito no trono de estorvos da sociedade pelo qual tanto lutaram para conseguir. Tantas internações, overdoses, famílias despedaçadas, demissões, assassinatos e apoio indireto ao tráfico, não pode ter sido em vão. Uni-vos! Derrubem o viciado contemporâneo, lisinho , bonitinho e social do posto que é de vocês, porque essas características boas são todas nossas, dos bem sucedidos caretas. Mantenham o balanço claro entre bem e mau.

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